O uso de blockchain irá revolucionar vários setores de uma maneira nunca vista, e o Brasil pode ser vanguardista nessa tecnologia. Blockchain é conhecida como uma tecnologia de propósito geral (GPT, na sigla em inglês), usada de maneiras que ainda não podemos prever, já está mudando a forma como lidamos com informações, relações comerciais, confiança e responsabilidade. Espera-se que essa tecnologia impacte o mundo tanto quanto a invenção da imprensa, a revolução industrial e a internet. Uma das áreas mais propensas à grandes mudanças é a da saúde, e os brasileiros estão pensando em possibilidades.
O Brasil é um país que emana criatividade, e seu tamanho apresenta muito a proverbial necessidade que dá origem à invenção. As leis locais, por exemplo, com o objetivo legítimo de proteger a privacidade, proíbem hospitais e empresas de saúde de compartilharem informações do paciente. Essa proteção tem seu lado negativo, pois torna difícil para os pacientes informarem diferentes médicos sobre seu diagnóstico e histórico de saúde. Mesmo o paciente – dono legítimo de seus registros de saúde – não possui esses registros, pois são mantidos nas clínicas e hospitais onde o tratamento foi solicitado. Isso faz com que seja difícil de alcançar um diagnóstico preciso e, particularmente, dificulta a eficiência de farmacêuticos e paramédicos – dois profissionais essenciais para salvar vidas em caso de emergência.
Com isso em mente, os jovens brasileiros que trabalham com o Entropia, laboratório de IA e blockchain, criaram o EverSafe, um projeto baseado em uma plataforma blockchain que reconfiguraria a saúde de maneiras impensáveis.
A digitalização de hospitais no Brasil não é nova, e acredita-se que menos de 15% das instalações médicas com 50 leitos ou mais não tenham iniciado o processo ainda. Mas os registros de saúde não são necessariamente comunicáveis. Eles são salvos em diferentes formatos e diferentes linguagens de computador, e aqueles que detêm esses dados geralmente têm interesses conflitantes, ao contrário do paciente, cujo único objetivo é permanecer saudável. O problema é agravado pois existem dois sistemas de saúde separados, privados e públicos.
A EverSafe criará um único banco de dados – o livro-caixa de blockchain – no qual cada paciente poderá compilar e coletar suas informações de saúde e disponibilizá-las à vontade. Hábitos alimentares, histórico de saúde, diagnósticos prévios, alergias, uso de medicamentos prescritos, serão reunidos sob uma única chave criptografada que permitirá ao proprietário recuperar as informações instantaneamente ou compartilhá-las com qualquer pessoa, hospital ou estabelecimento de saúde.
O paciente também poderá vender essa informação, mesmo anonimamente. Os compradores interessados podem ser pesquisadores, escritórios do governo que lidam com epidemias, companhias de seguros, cientistas, empresas médicas que realizam testes de drogas. Tudo isso será feito em uma plataforma segura, livre de hackers e criptografada. A EverSafe também propõe o uso de tokens para “gamificar” a comunidade, para que as pessoas sejam atraídas para registrar seus dados e ganhar tokens para consumo dentro da rede.
Esse tipo de incentivo é proposto por outro projeto de blockchain para saúde em desenvolvimento no Brasil com o objetivo de aumentar a doação de medula óssea. “A ideia é criar uma plataforma onde as instituições de saúde possam cruzar informações com doadores elegíveis”, diz Samira Lopes, integrante do coletivo Women in Blockchain, em entrevista à Onco, revista médica brasileira. Os doadores teriam direito a tokens que funcionam como moeda dentro desse ambiente blockchain.
Dois brasileiros também fizeram parte do MIT Experimental Learning Group, um grupo de sete integrantes, que venceu o US Blockchain Challenge em 2016, iniciativa privada para premiar com prêmios em dinheiro os melhores projetos em “Tecnologia Blockchain e o Potencial para seu uso em TI em Saúde e / ou Dados de pesquisas relacionadas à saúde”. Anne Chang e Luca Forni venceram o desafio com um white paper apresentando um projeto que, como explica Chang,“ revolucionaria a forma como os tratamentos são prescritos aos pacientes ”.
“Hoje,” ela diz, “dependemos de estudos e artigos médicos que são feitos de forma restrita, com amostras pequenas e que muitas vezes não consideram fatores específicos como etnia e predisposição genética.” Com blockchain, uma vez que registros médicos são adicionados à plataforma, com as devidas permissões e requisitos necessários, essa quantidade massiva de dados anônimos, mas verificados, se tornará uma mina de ouro para pesquisa e soluções, e os tratamentos específicos para cada pessoa se tornarão menos dispendiosos e mais eficientes. “Queremos dar um destino mais digno [aos nossos registros médicos]. Quando o paciente está no hospital, ele raramente tem acesso a seus registros, resultados de exames laboratoriais, tratamentos, medicamentos que tomou e outras informações que, apesar de pertencerem ao paciente, acabam ficando no hospital.” Essa transformação também pode reduzir a frequência de erros médicos, que segundo um estudo de 2016 de pesquisadores da Johns Hopkins Medicine diz que foi a terceira principal causa de morte nos EUA.
O Brasil adotou outras inovações tecnológicas em saúde que são mais utilizadas pelo público em geral porque elas não exigem acesso a um blockchain – ainda uma plataforma para a qual pessoas comuns não tem acesso de um telefone ou notebook comum. Mas com o aprimoramento da tecnologia e sua adaptação aos gadgets do dia a dia, vários desses aplicativos estarão disponíveis em breve em uma plataforma blockchain com suas principais vantagens: segurança, criptografia, anonimato e uma quase garantida ausência de fraude e falsificação. Uma dessas inovações são os aplicativos já bastante usados que mostram os preços mais baratos de medicamentos em localizações específicas. Os departamentos de saúde do governo também estão discutindo o uso de blockchain como um meio de dar transparência a licitações públicas e evitar o superfaturamento em compras de drogas. Tudo isso é muito promissor, e mais após o vazamento do relatório da Goldman Sachs, em abril de 2018, que revelou que os bancos aconselhavam seus clientes da área médica que era melhor focar não na curar de uma doença, mas sim em mantê-la crônica.