O feminismo indígena tem raízes profundas nas culturas pré-colombianas, onde as mulheres desempenham, até hoje, papéis centrais nas comunidades.
Elas eram guardiãs do conhecimento tradicional, cuidadoras da terra e líderes espirituais. No entanto, a colonização trouxe impactos devastadores, desestruturando essas sociedades e relegando as mulheres a posições de subserviência.
Durante esse processo, as mulheres indígenas não apenas sofreram com a perda de seus direitos, mas também se tornaram protagonistas na resistência, lutando para preservar suas culturas e identidades.
A história de Bartolina Sisa, por exemplo, uma líder indígena que lutou contra a opressão colonial no século XVIII, ilustra a força e a resiliência das mulheres indígenas. Não apenas a favor de seus povos, mas também de suas terras.
A relação entre mulheres indígenas e a terra é simbiótica e vital. As mulheres não apenas cuidam do território, mas também são as principais responsáveis pela gestão dos recursos naturais.
Elas têm um papel crucial nas lutas pela preservação de suas terras, defendendo não só seus direitos territoriais, mas também a biodiversidade e o equilíbrio ambiental.
Essa conexão reforça a importância da terra como um elemento central na luta feminista indígena, onde a defesa do meio ambiente está intrinsecamente ligada à luta por direitos humanos.
O feminismo indígena perpassa por uma opressão tripla que as mulheres indígenas sofrem desde os primórdios da sociedade: machismo, racismo e desigualdade econômica. À parte ao preconceito sexista, os povos indígenas como um todo foram uma das primeiras civilizações a sofrer violência por conta da cor de sua pele.
Numa tentavia completamente equivocada e desumana de ‘civilização’, os europeus os submeteram à massacres, expropriação de suas terras e escravidão, acreditando que eram pessoas que não tinham conhecimento apenas porque vivam de outras maneiras e tinham crenças diferentes.
Para saber mais sobre esse assunto, recomendamos o livro American Holocaust: Columbus and the Conquest of the New World de David Stannard.
Além de todos os crimes cometidos pelos colonos, as mulheres se viram em uma posição de intersecção, que mulheres brancas, por exemplo, não se encontram:
As mulheres indígenas não apenas sofrem com a sexualização e violência de seus corpos, mas algumas também com a dominância masculina dentro de sua própria cultura.
Não podemos afirmar que todas as sociedades indígenas sejam machistas, pois não existe generalização, muito menos em uma diversidade de povos tão extensa. De fato, existem muitas civilizações que buscam papéis de equidade entre os gêneros e colocam mulheres em posições de liderança.
No entanto, o período colonial e os rumos que a sociedade como um todo tomou, influenciaram bastante as dinâmicas sociais de diversas comunidades com ideias machistas e patriarcais, como também reforçaram ou criaram hierarquias de gênero que antes não estavam presentes.
De acordo com o Instituto Igarapé, as estatísticas de feminicídio indígena no Brasil são uma das maiores.
A chegada dos colonos parece antiga, mas seus atos deixaram consequências aos povos não-brancos que sofrem diariamente. Afinal, a estrutura que eles tinham até então, foi saqueada e toda sua cultura, quando não apagada, foi mesclada com aspectos europeus.
Os indígenas são excluídos de diversas esferas, como educação, política, economia e social, pois sofrem racismo e preconceito contra sua identidade. Esse ‘apagamento’ se reflete na invasão ou desapropriação de suas terras em pró do desmatamento e agronegócio,
Eles têm acesso limitado à saúde, à justiça e à educação, o que se reflete também no machismo: segundo a Relatora Especial das Nações Unidas sobre os Direitos dos Povos Indígenas, as mulheres indígenas são frequentemente ignoradas ao relatar questões de violência doméstica. Além disso, de acordo com a ONU Mulheres, as mães têm uma taxa de mortalidade muito maior.
O risco de vida também está presente na vida daqueles que batalham pela natureza. Em 2016, a ativista ambiental hondurenha Berta Cáceres foi assassinada após protestar contra a construção da represa hidroelétrica Agua Zarca sem o consentimento das pessoas que habitavam a região.
Os povos indígenas representam 8 % da população total da América Latina, no entanto, 15% se encontram em extrema pobreza. Em países como México e Peru, há uma porcentagem ainda maior (70%) de pessoas indígenas vivendo em situações precárias.
Falando sobre renda, na Bolívia e na Guatemala, há uma diferença de 40% entre o salário recebido por pessoas indígenas e não indígenas. Sendo que no Brasil, essa diferença é de 50%.
Inclusive, 85% dos indígenas na América Latina se submetem a trabalhos informais, que não contam direitos trabalhistas. O que dificulta ainda mais o acesso à recursos de saúde.
Para saber mais informações sobre a desigualdade econômica dos povos indígenas, confira estas referências:
Bartolina Sisa, uma figura emblemática, liderou a resistência contra a opressão colonial na Bolívia, enquanto Rigoberta Menchú, ganhadora do Prêmio Nobel da Paz, trouxe à tona as demandas específicas das mulheres indígenas no cenário global.
Já Tarcila Rivera Zea, ativista quéchua no Peru, teve uma infância e adolescência na pobreza e enfrentou muitas dificuldades ao mudar para Lima. Diante de tamanho sofrimento, ela decidiu batalhar pelos direitos das comunidades indígenas e hoje é referência no movimento feminista indígena internacionalmente, inspirando mulheres e homens indígenas através de sua fundação Chirapaq.
Há também Lolita Chávez, defensora dos direitos humanos do povo Quiché, na Guatemala. Apesar da sua luta ter foco em questões ambientais, há a intersecção com o feminismo indígena, já que afetar os territórios indígenas afeta diretamente o papel das mulheres como guardiãs da terra.
Nina Gualinga, militante do povo Kichwa de Sarayaku, no Equador, batalha por questões ambientais e empoderamento das mulheres indígenas, especialmente pelo fim da exploração do petróleo na Amazônia.
Pesquise também outras líderes do feminismo indígena, como Sônia Guajajara no Brasil, Cristina Coc em Belize, Ruth Buendía também no Peru e Julieta Paredes na Bolívia.
Atualmente, as mulheres indígenas continuam a lutar por reconhecimento e justiça social. Elas enfrentam desafios significativos, como a exploração de suas terras e a marginalização em processos políticos.
No entanto, conquistas recentes, como a inclusão de representantes indígenas em parlamentos e a ampliação do debate sobre direitos humanos, demonstram que suas vozes estão ganhando espaço.
Exemplos de campanhas na América Latina, como a “Campanha pela Vida das Mulheres Indígenas”, têm trazido visibilidade às questões enfrentadas por essas mulheres, destacando a importância de sua participação ativa na sociedade. Movimentos contemporâneos, como o “Conselho Nacional de Mulheres Indígenas”, têm se mobilizado em torno de questões como direitos humanos, autonomia e justiça social.