Peru passa a cobrar impostos em serviços de streaming

A partir de outubro de 2024, empresas não-domiciliadas precisarão pagar o IGV no país. Como está a situação no resto da América Latina?

O Peru é o último país da América Latina a aderir à cobrança de impostos sobre serviços de streaming e plataformas digitais de consumo diário, tais como Netflix, Disney +, Airbnb e Uber.

O Decreto Legislativo 1623, que altera a Lei do Imposto Geral sobre Vendas (IGV) em relação ao uso de serviços digitais, passa a arrecadar impostos de provedores não domiciliados no país.

Em países como os Estados Unidos, México, Espanha e, mais recentemente, Chile e Argentina, empresas de tecnologia que operam nesses territórios sem uma sede física já devem obedecer às regras de fiscalização.

O objetivo é assegurar que empresas digitais que atuam nestes países usem uma porcentagem dos seus lucros para pagar a taxa, ainda que não tenham escritórios ou funcionários locais. No Peru, a medida não apenas almeja aumentar a arrecadação de impostos, mas também nivela o campo de concorrência para as empresas locais que competem com essas plataformas globais.

Pelo fato de influenciar diversos países além do Peru, neste artigo, traremos uma perspectiva plural sobre as consequências deste imposto no mercado latino-americano.

O preço dos streamings cabe no bolso dos latino-americanos?

Em 2024, a Sherlock Communications realizou um estudo em busca de insights sobre os consumo de streaming na região, e observamos que 62% dos entrevistados contentam-se com apenas uma assinatura por vez.

Além disso, 25% citaram  que aumento de preço os obrigaram a cancelar uma de suas assinaturas no último ano. No entanto, os impostos que passaram a ser cobrados no e já estão em vigência em outros países podem pesar ainda mais no bolso dos latino-americanos.

Peru almeja maiores lucros

De acordo com José Penã, Head de Estratégias e Risco da Sunat, a partir de outubro, cerca de 600 empresas serão registradas no sistema do IGV. Em novembro, a declaração e o pagamento do imposto já serão obrigatórios.

Além dos serviços de streaming como Netflix, também serão cobradas plataformas de armazenamento de informações, funcionalidades extras nas redes sociais, aplicativos de reuniões e intermediários entre empresas e consumidores. Como, por exemplo, Uber, Airbnb, Spotify, iCloud, Dropbox, LinkedIn, Xbox, Playstation Network, Adobe, Zoom, Tinder, YouTube Music, entre outros.

Todas estas empresas deverão se registrar na Sunat e obter o Registro Único do Contribuinte. Daí em diante, instituições bancárias atuarão como facilitadoras – conforme explicado pelo Ministro da Economia do Peru, José Arista, cada transação feita no sistema financeiro deduzirá 18% equivalentes ao IGV.

Caso as empresas decidam não pagar ou se registrar, as mesmas instituições atuarão como entidades de retenção. O MEF estima arrecadar 800 milhões de soles apenas este ano e 1.000 milhões de soles a partir de 2025.

Os consumidores também estão se perguntando se suas contas irão aumentar com a implementação deste imposto. E a resposta é sim, afinal a retenção do IGV será sobre o preço pago pelo usuário à plataforma. Logo as empresas de streaming podem acrescentar a taxa ao valor final de contratação do serviço.

Crise inflacionária incentiva Argentina a cobrar mais taxas

Já na Terra do Tango, a cobrança de impostos sobre os serviços digitais tem sido alvo de debate. O desafio de consumir em uma economia inflacionária vem se tornando ainda maior com a expansão dos streamings no país. Para regulamentar e captar as receitas fiscais advindas dessa atividade, o Estado implementou as seguintes taxas:

  • IVA (Imposto sobre Valor Agregado): desde 2018, os serviços digitais estão sujeitos a uma alíquota de 21% de IVA. Esse imposto é aplicado a plataformas estrangeiras que oferecem serviços digitais, como Netflix, Spotify, Amazon Prime Video, entre outros.
  • Imposto PAIS: implementado em dezembro de 2019, o Imposto para uma Argentina Inclusiva e Solidária (PAIS) adiciona uma taxa extra de 8% sobre as assinaturas de serviços digitais feitas em moeda estrangeira.
  • Taxa 45% sobre Lucros e Bens Pessoais: desde 2020, uma cobrança adicional de 35% (elevada para 45% em 2022) foi aplicada sobre o valor dos serviços digitais, sendo considerada como um adiantamento dos impostos sobre Lucros e Bens Pessoais.
  • Imposto de Selo: em algumas províncias, como Buenos Aires, também é cobrado um imposto de selo sobre os pagamentos de serviços digitais feitos com cartões de crédito.

Diante dessa situação, diversas plataformas ajustaram seus preços em pesos argentinos para rebater o impacto da taxa, o que implica em aumentos periódicos nos preços de assinatura. Além disso, serviços de streaming vem lançando valores promocionais distintos para públicos distintos, visando manter suas audiências em um contexto econômico desafiador.

Brasil, uma metamorfose ambulante

No Brasil, as taxas dos serviços de streaming (Netflix, Spotify, Prime Vídeo e Disney +), aplicativos de transporte (Uber, 99) e de delivery (iFood) estão passando por mudanças significativas.

Atualmente, estas empresas pagam impostos que variam de 8.65% a 14.65% de seus lucros, dependendo do regime fiscal. Empresas que operam no regime de lucro real podem acabar enfrentando uma carga tributária mais alta. O PIS e a Cofins são impostos federais que financiam programas de seguridade social, enquanto o ISS é um tributo municipal aplicado à prestação de serviços.

A Emenda Constitucional 132, já em vigor, marca uma mudança significativa ao preparar o terreno para substituir os tributos atuais pelo Imposto sobre Bens e Serviços (IBS) e a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS). Esses novos impostos fazem parte de uma reforma tributária mais ampla, que busca unificar e simplificar a estrutura tributária existente. Contudo, as alíquotas específicas para o IBS e CBS, que podem chegar a 26,5%, e os detalhes finais de implementação ainda estão em discussão e não foram completamente definidos. Esse possível aumento de custos para as plataformas pode resultar em preços mais altos para os consumidores, dependendo de como a reforma será estruturada.

Além disso, o Projeto de Lei 2331/2022, que pretende regulamentar os serviços de vídeo sob demanda (VoD) no Brasil, está em análise na Câmara dos Deputados. O projeto propõe a aplicação da Contribuição para o Desenvolvimento da Indústria Cinematográfica Nacional (Condecine), um tributo destinado a apoiar a indústria cinematográfica brasileira. As alíquotas dessa contribuição seriam progressivas, baseadas na receita da empresa: 3% para empresas com faturamento acima de R$ 96 milhões, 1,5% para aquelas entre R$ 4,8 milhões e R$ 96 milhões, e isenção para aquelas com faturamento inferior a R$ 4,8 milhões. No entanto, o projeto ainda não foi aprovado e continua em revisão legislativa.

O objetivo é fortalecer a produção audiovisual brasileira e garantir uma concorrência justa entre os serviços de streaming e a TV por assinatura. As plataformas também terão que incluir uma quantidade mínima de conteúdo brasileiro em seus catálogos, o que pode aumentar ainda mais os custos operacionais.

Embora o setor de tecnologia tenha defendido um regime tributário diferenciado para serviços digitais, essas plataformas ainda não conseguiram alíquotas reduzidas na proposta de reforma tributária. 

A proposta, já aprovada na Câmara dos Deputados e prestes a ser votada no Senado, reflete um esforço do governo para aumentar a arrecadação e promover a cultura nacional, mas também gera preocupações sobre o impacto nos custos para os usuários desses serviços.

O pioneirismo mexicano

Em maio de 2020, o Imposto sobre Valor Agregado (IVA), de 16%, passou a ser cobrado sobre os serviços de streaming. A decisão foi tomada em 2019, como parte da Resolução Fiscal Miscelânea para o Ano Fiscal de 2020. A justificativa do então Secretário de Finanças, Arturo Herrera, foi a seguinte:

“Esses impostos já existiam, mas não eram cobrados. A estrutura tributária do México e dos demais países estava associada a apenas bens tangíveis”.

No caso de bens intangíveis, o encargo fiscal foi repassado para o usuário, como mencionado por vários analistas. No caso da Netflix, por exemplo, o plano “básico” passou de 129 para 139 pesos por mês, o plano “standard” subiu para 196 pesos e o “premium” para 266 pesos. Outro exemplo é o Spotify, que também aumentou seus preços.

Na mesma linha, o Ministério das Finanças afirmou que a mudança arrecadaria 4.394 milhões de pesos em 2020, valor que vem aumentando nos últimos anos. A iniciativa, semelhante à adotada por outros países, responde ao “vácuo fiscal” em que essas empresas operavam, segundo analistas.

No entanto, como estão localizadas fora do México, muitas dessas empresas (Rappi e Uber) não podiam emitir CFDI: faturas digitais com valor fiscal.

Outro caso é o Airbnb, que arrecadou aproximadamente 6 bilhões de pesos em impostos no país, incluindo o Imposto sobre Valor Agregado (IVA) e o Imposto de Renda (ISR), além de um imposto adicional para aluguéis temporários.

Desde junho de 2024, o Airbnb começou a cobrar um imposto de 3% sobre a prestação de serviços de hospedagem na Cidade do México. Esse imposto faz parte de uma reforma tributária que busca regulamentar a hospedagem intermediada por plataformas digitais. 

O Airbnb estabeleceu acordos com os governos locais para facilitar a conformidade tributária, o que permitiu uma maior regulamentação de seus serviços.

A evolução dos impostos na Colômbia

Nos últimos anos, a Colômbia intensificou seus esforços para tributar os lucros das plataformas digitais. Embora a cobrança de IVA sobre esses serviços já esteja estabelecida há muito tempo, a Lei 2277 de 2022 teve um marco importante ao introduzir o conceito de Presença Econômica Significativa (PES).

Essa lei ampliou o escopo da tributação, obrigando plataformas digitais que excedam certos limites de receita (acima de $1.327 milhões ou 31.300 Unidades de Valor Tributário) ou de usuários (mais de 300 mil) na Colômbia a se registrarem e pagarem impostos, mesmo sem uma presença física no país.

O governo emitiu o Decreto 2039 de 2023, que exige que as plataformas digitais estrangeiras paguem impostos além do IVA de 19% já cobrado sobre esses serviços. Esse imposto começou a ser aplicado a partir de janeiro de 2024, e com esse novo decreto, as plataformas digitais terão que escolher entre apresentar sua declaração de imposto de renda à DIAN ou pagar um imposto simplificado correspondente a 3% de seu faturamento bimestral.

A implementação da PES gerou debates sobre a carga tributária para essas empresas e seu impacto nos consumidores. Embora essa mudança busque garantir que as plataformas digitais contribuam para o tesouro nacional, também há desafios, como a definição precisa de PES e a possibilidade dos consumidores arcarem com parte dessa carga por meio de preços mais altos. Na Colômbia, esse processo continua em evolução, com as autoridades fiscais trabalhando para aprimorar os mecanismos de controle e fiscalização.

O dinamismo chileno

Em fevereiro de 2020, durante a presidência de Sebastián Piñera no Chile, foi promulgada uma reforma tributária que introduziu o IVA (Imposto sobre Valor Agregado de 19%) aplicado a partir de junho daquele ano sobre serviços digitais fornecidos por plataformas sem domicílio ou residência no Chile. Isso obrigou grandes plataformas como Netflix, Airbnb, Spotify e Amazon a pagar impostos.

O Serviço de Impostos Internos (SII) do Chile criou uma plataforma para que as empresas pudessem obter um ‘Número de Identificação Fiscal’ e uma chave para cumprir com essa obrigação. Além disso, as empresas podem escolher a moeda (pesos, euro ou dólar) e a frequência com que farão o pagamento (mensal ou trimestral, sendo a última opção a preferida pelas empresas).

O resultado tem sido bastante positivo, com 426 plataformas registradas para pagar o IVA sobre serviços digitais no Chile, arrecadando mais de 1 bilhão de dólares até fevereiro de 2024. No entanto, ainda há 92 plataformas, como WordPress, Tripadvisor e outras, que não estão declarando e pagando os impostos devidos.

E na América Central?

No Panamá, estão em discussão regulamentações para que plataformas digitais estrangeiras, como Netflix, Spotify, Amazon e Uber, comecem a pagar impostos sobre os serviços que oferecem no país. Atualmente, essas plataformas não estão sujeitas ao ITBMS (Impuesto a la Transferencia de Bienes Muebles y Servicios), equivalente ao IVA em outros países, apesar de os consumidores panamenhos utilizarem esses serviços e pagarem com seus cartões de crédito. 

Estima-se que a arrecadação desses impostos poderia gerar uma receita significativa para o país, com projeções indicando que poderia chegar a US$ 100 milhões anuais. Embora o projeto de lei que regulamenta esses impostos esteja em discussão desde 2019, ele ainda não foi aprovado, e as autoridades continuam trabalhando em seu desenvolvimento para garantir uma implementação adequada.

Na Costa Rica, desde outubro de 2020, um IVA de 13% é cobrado sobre serviços digitais transfronteiriços, que são aqueles fornecidos por um prestador que não está estabelecido ou domiciliado no país via internet ou qualquer outra plataforma digital, e consumidos por clientes no território nacional. 

O IVA é automaticamente reduzido quando o pagamento é feito com cartões de crédito ou débito emitidos por instituições financeiras nacionais. Em quase quatro anos, o Ministério das Finanças reportou mais de ₡81 bilhões arrecadados com a cobrança do IVA. 

A autoridade tributária até descreveu a Costa Rica como um “caso de sucesso” na forma de combater a evasão por empresas que operam no país sem estarem registradas como contribuintes.

Na Guatemala, a Superintendência de Administração Tributária (SAT) anunciou que começará a cobrar impostos de empresas digitais como Facebook, Netflix e Spotify por meio da plataforma de Conformidade da Economia Digital (DEC), desenvolvida pelo Centro Interamericano de Administrações Tributárias (CIAT). 

Esta ferramenta permitirá que a SAT gerencie e arrecade o IVA sobre os serviços prestados no país por essas empresas, que até agora não estavam sujeitas a essas obrigações fiscais.

Enquanto isso, a República Dominicana está avançando na implementação de uma regulamentação que exigirá que plataformas digitais estrangeiras, como Amazon, Google, Netflix, Spotify, Uber e Airbnb, entre outras, paguem impostos pelos serviços que oferecem no país. 

Essa regulamentação, que regula principalmente o ITBIS (Imposto sobre a Transferência de Bens Industrializados e Serviços), está em suas etapas finais de desenvolvimento, segundo a Direção Geral de Impostos Internos (DGII). A medida busca estabelecer uma competição justa entre essas plataformas e as empresas locais, que já estão sujeitas à tributação.

Written by: Sherlock Communications